Quem sou eu

Escritor,roteirista e pesquisador da história e cultura pantaneira, recebeu vários e importantes prêmios literários, entre os quais o “Brasília de Ficção”, com o romance “Raízes do Pantanal”. O conto, “Nessa poeira não vem mais seu pai”, ficou como finalista entre 967 concorrentes do Concurso Guimarães Rosa, promovido pela “Radio Françe Internationale” em Paris. O mesmo conto transformou-se numa peça de teatro produzida pelo Grupo Teatral Minas da Imaginação e, roteirizado pelo próprio Autor, num curta metragem infanto-juvenil, “A poeira”, atualmente exibido no Programa Curta-Criança 3 da TV-Brasil do Rio de Janeiro. O Conto "O caso de Joanita" foi roteirizado para um média metragem, dirigido e produzido por Reynaldo Paes de Barros. A sua obra é referência em teses monográficas e vem sendo analisada e estudada nas universidades de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Tem artigos, crônicas, contos, ensaios publicados em jornais, revistas, sites da Internet e entrevistas dadas a televisões e rádios nacionais e internacionais. Considera-se um ser mais biodegradável do que biografável, pois nasceu em Corumbá,MS, Cidade-Natureza.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

            Um Passeio Secular

                                                   
                                  Crônica de Augusto César Proença

        
         Ainda é cedo. A manhã de setembro me convida a um passeio e eu aproveito o tempo para caminhar pelas ruas da minha cidade, buscar sua identidade, cavucar suas raízes.
         No céu há um prenúncio de seca. A fumaceira das queimadas invade cruelmente o Pantanal e a manhã está calma, indiferente a tudo, parece não saber que há 221 anos Corumbá nascia diante de uma tosca cruz de madeira, sob a bênção de Cristo e a inabalável fé dos homens.
         Percorro a Avenida, passo por casarões históricos, praças, estátuas envelhecidas, ruas pouco arborizadas. Um resto de melodia dos séculos passados me carrega para um tempo em que espanhóis navegavam pelo rio Paraguai à procura de caminhos que os conduzissem às montanhas de prata do Peru.  Também, para um tempo em que hordas de homens barbudos, chapéus de enormes abas ao vento, arrasavam povoados jesuítas. Nuvens de fumaça subindo entre flechas resistentes, cheio de pólvora e sangue, gritos de guerra, corpos pagãos e cristãos mutilados; afinal, mais de três séculos de lutas escreveram as páginas da nossa pré-história.
         Volto à realidade e um som de TV da padaria me dá bom dia. A manhã é alegre. Pessoas balançam de felicidade. Entro na padaria, compro uns pães e saio com a sensação de estar partindo para a guerra. Ouço, nitidamente, o soar de uma clarineta chamando a brava gente brasileira para a luta. A terra novamente vai se cobrir de gritos e sangue. Tantos irmãos feridos, tantos irmãos mortos na guerra injusta. Mas eis que a Vila de Corumbá, num fremir de contentamento, vê chegar o tenente coronel Antônio Maria Coelho comandando a tropa que a libertará.
         Penso em tudo isso enquanto os meus passos batem contra as calçadas modernas: sim, é preciso buscar as identidades, cavucar as raízes, para que não sejam exterminadas neste mundo globalizado. Da minha memória saltam bigodes, bengalas, espartilhos, perucas de uma época de fausto. Vapores atracam no porto onde casarões se erguem anunciando um novo tempo. É o grande passado fluvial que entra em cena. Corumbá vive momentos de glória e o som de uma flauta me enleva e me entorpece. Acordes de uma ária há muito diluídos no espaço.
         Passo pelo prédio onde funcionou o Cine-Teatro Excelcior. Ouço as vozes comemorativas da passagem do cinema mudo para o cinema falado. Suaves ondulações do som provocado pela pequena orquestra que costumava tocar nos intervalos dos filmes. Revejo cenas. Sinto as vibrações de várias épocas. Imagens que o tempo levou e escuto, de repente, o sino da Matriz badalar naquele remoto 1877. Frei Mariano de Bagnaia, com o próprio punho, chama a população para ouvi-lo rezar uma missa nesse santo local construído pelas suas mãos franciscanas. Me dirijo para a Igreja. A rua está festiva. Faixas e cartazes alardeiam os 221 anos da cidade. Há perspectivas de progresso, o turismo ecológico e cultural desponta e toma um novo rumo: aleluia! Aleluia!...
         Entro na Igreja com o coração cheio de esperanças conduzido pela alma sorridente do Frei Mariano. Me ajoelho olhando Jesus lá no altar crucificado. É uma imagem envelhecida, de barro, mas tenho fé nesse secular símbolo sagrado e rezo. Rezo com todo o fervor, para que a minha cidade e o seu povo tenham vida nova, livre, justa e feliz.   

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