A HORA DA SESTA
Crônica de Augusto César Proença
A CIDADE: por estas horas fica assim do jeito que está. Quase sem nenhum barulho, a não ser zumbidos de moscas, asas batendo contra as telas querendo sair de quartos abafados, um ou outro ruído de ventilador borrifando ar quente, gemidos de punhos de rede, tarde toda, se embalando, em varandões de samambaias.
Movimentos desacontecem neste tremelico de ar turvando a vista; mormaço, desde cedo esquentando águas de aljibes, aferventando o corpo do rio por onde lambaris passeiam sossegados.
A CIDADE: por estas horas você não sentirá fragrância de coisas vivas. Tudo o que vive parece morto, relumia apenas uma luz abafada, que brilha por brilhar e se perde nas distâncias, lá onde o rio serpenteia lento, quase de não se perceber, não fosse o rolar das ilhas de camalotes descendo-vagarosas, como que empurradas por águas de preguiça
Velhos não sentam em portas sombreadas, homens não tomam tereré, crianças não soltam pandorgas nem jogam bolitas. Pedreiras calcárias se emudecem armazenando o calor. E das entranhas dos buracões aparecem patas cabeludas de aranhas caranguejeiras tateando cantos umedecidos.
A CIDADE: por estas horas você não escutará grito de peixeiro e de aguadeiro, gemido de doente, voz de desesperado, sequer choro de recém-nascido. Diante das portas fechadas dos armazéns, dos bares e dos bilhares a tarde escorre pachorrenta e é inútil querer vislumbrar o mastro do vapor se chegando, a cor da bandeira tremulando em cada apito, chaminé soltando fumaça preta e desenhando no céu rabiscos retorcidos.
Não há barulho de catraca, assobio de roda de carreta, ronco de máquina envelhecida. Chalanas estão por aí atracadas: chapiscos de água batendo nas proas envelhecidas. Lenços não abanam despedidas, ninguém chega, ninguém parte, ninguém desce a ladeira para ver o progresso chegar no casco do vapor.
A CIDADE: por estas horas você encontrará bêbados ressonando debaixo de árvores, gatas lambendo cios nas prateleiras mofadas dos velhos armazéns abandonados do porto, pessoas prostradas em redes, em catres, em colchões, putas estiradas nos ladrilhos, forradas de brotoejas.
Sem força para soprar a soneira do ar o vento parece que se estanca, nem brisa aparece para brigar com a violência do mormaço, que abafa, sufoca, entorpece, como para estufar por estas horas: A CIDADE.
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