A LENDA DO VENTO
Augusto César Proença
As pessoas da cidade contam que uma vez o sol se apagou, os dias ficaram negros e os homens tiveram que acender tochas para caçar.
Naquele tempo o vento morava com a sua família numa gruta de pedra debaixo de um morro alto que se avistava de longe nas noites de lua cheia.
Quando o vento era forte as pessoas da cidade viam um velho de barba branca e cabelos compridos-esvoaçantes. Quando o vento era fraco viam uma mulher bonita, que tinha nos olhos a cor roxa da flor de camalote. Quando era apenas ventinho que soprava, assim feito brisa, viam o filho do vento, mocinho magro, de olhar arregalado.
Certo dia um homem saiu cedo para caçar, passou o dia inteirinho andando e quando chegou nesse morro alto a tocha dele também se apagou e foi obrigado a entrar na gruta do vento.
O vento era velho festeiro. Vivia dando festas grandiosas e nesse dia a gruta dele estava toda iluminada de tochas. Ele dava festa de arromba para muitos bichos convidados. Tinha tatu, cotia, veado, onça, tamanduá, muitos e muitos bichos, até jacaré. Todos já se encontravam pra lá de tontos e empanturrados de tanto comer.
As pessoas da cidade falam que isso aconteceu há muitos e muitos anos e que o vento velho de tanto dar festas grandiosas gastou todo o dinheiro que tinha e logo morreu da doença chamada “Arrependimento de Pobreza”.
A gruta dele ficou durante um tempão fechada. Só se enxergava solidão e tristeza. Até que numa tarde veio um ventinho feito brisa e as pessoas da cidade reconheceram que era o filho do vento que ventava depois de ter passado grande período guardando luto fechado.
Só que o ventinho veio diferente daqueles outros tempos. Veio fazendo fofocas escandalosas por onde ventava. Só sabia fuxicar a vida dos outros com aquele olhar arregalado de vento que queria espalhar a maldade e a violência.
Se metia no vão das pernas das moças que iam à igreja; nas sacristias para ouvir cochichos de beatas e de padres; nos quintais para contar quantas calcinhas e cuecas estavam penduradas nos varais; entrava pelas frestas das janelas e surpreendia gente pelada se amando no calor da cama; gente safada, distribuindo propinas, passando a mão no dinheiro público lá no fundo dos escritorinhos; até as necessidades que os outros faziam sentados nos vasos - ele fuxicava. Ah, ventinho danado!... todos da cidade comentavam.
Um dia, de tanto olhar a vida dos outros e fazer fofocas que causavam brigas, mortes, desavenças, separações de amizades e de casamentos antigos, esse ventinho pegou reza braba e adoeceu. Não comeu. Não bebeu. Não dormiu. Foi se secando de tal maneira que morreu da tal doença chamada de “Praga Rogada”.
Então as pessoas da cidade deram vivas, dançaram, beberam, cantaram, comemoraram a liberdade resgatada por vários dias!
E até hoje a população fala (com riso e alegria) que desde a morte desse ventinho fofoqueiro ninguém mais brigou na cidade, os amantes retornaram prazerosos ao gozo do amor, o sol nunca mais se apagou, os homens não precisaram empunhar tochas iluminadas para caçar – o povo fala que tudo mudou, só três coisas continuaram rolando soltas na cidade: a propina, a violência, e a filhadaputice da roubalheira do dinheiro público no fundo dos escritorinhos.
Oi Augusto César,
ResponderExcluirGostei muito do seu blog. Foi Loisa Mavignier quem me passou o link dele. Adoro histórias sobre o pantanal, que podem ser de verdade ou não, quem sabe… Adoro esse povo tão corajoso, sofrido e independente. Tão humilde e tão sábio… Muito obrigada pelo seu comentário no meu blog. Fico feliz de saber que você gostou da minha crônica.
Abraços,